Luiz Eduardo Soares - Antropólogo -
BLOG DO LOMEU
Às vésperas de completar seus 60
anos, Luiz Eduardo Soares resolveu fazer um balanço do tema com o qual vem
convivendo cotidianamente há muitas décadas, a segurança pública.
O antropólogo não ficou muito satisfeito.
Contabilizou problemas sérios nas esferas municipal, estadual e federal, na
atuação da esquerda e da direita, em governos como o de Fernando Henrique
Cardoso, "inerte", e no de Dilma, "que representa um retrocesso
na área".
Soares não é um crítico de gabinete.
Já colocou mãos na massa, tanto no governo do Rio, seu estado natal, quanto
no segundo governo Lula, quando foi, por menos de um ano, secretário nacional
de Segurança Pública.
Também escritor, co-autor das obras
que deram origem aos filmes "Tropa de Elite", ele trabalha atualmente num
livro que procura sintetizar sua visão sobre a violência no país, e que deve
ser lançado neste semestre pela Companhia das Letras.
Parte das idéias que ele apresentará
no trabalho, seu nono livro, aparecem num artigo que ele escreveu para a
revista "Interesse Nacional", que será lançada amanhã.
Soares questiona em especial a arquitetura institucional
da segurança pública brasileira, que pouco avançou desde a promulgação da
Constituição, que completa 25 anos em outubro.
Em entrevista à Folha, ele fala sobre
esta inércia que faz do Brasil o "segundo país mais violento do
mundo", comenta a retomada do aumento dos homicídios em São Paulo e faz um
balanço de cinco anos das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, do Rio,
onde "não há um só crime importante sem a participação da polícia".
Folha - Em um artigo recém-publicado,
o sr. comenta que na Constituição "não ousamos tocar no cordão umbilical
que liga as Polícias Militares ao Exército". Por que o sr. acredita que
após 25 anos este ponto ainda não tenha sido revisto?
Luiz Eduardo Soares - Esse é o grande
enigma. Já escrevi muito a esse respeito, mas nunca me dei por satisfeito.
Sempre me pergunto: como é possível que um país que se transforma todo o dia
possa enfrentar um de seus maiores problemas, a insegurança pública, com
instituições organizadas pelo passado. Claro, na transição era preciso aceitar
as imposições dos militares. Mas se passaram 25 anos. Não há como justificarmos
nossa inércia com temores de golpes militares.
Que forças políticas sustentam essa
inércia?
Diria que os conservadores nunca se
movimentaram por temerem que a situação se agravasse. Já as esquerdas não foram
capazes de formular uma proposta para a segurança pública. De um lado, por
preconceito que vem da tradição marxista, que vê polícia como instrumento de
dominação de classe. Outros acham que não devemos gastar energia porque para
reduzir a violência se deve investir só em educação.
E o governo?
Os governos estaduais se sentem
constrangidos, como se estivessem sob ameaça das forças policiais. Os
governadores acabam adotando discursos mais realistas do que o do rei. Já o
governo federal acaba avaliando que mesmo necessárias, as reformas não seriam
convenientes. Mais responsabilidade à União significa mais cobrança.
Quando o governo Dilma completou nove
meses o sr. escreveu um artigo para a Folha classificando o início da gestão
como decepcionante em termos de segurança pública. Que avaliação faz hoje?
O governo Dilma representa um passo
atrás. Era possível cobrar o governo Lula pela timidez, que não lhe permitiu
avançar para promover as reformas, por razões que também imobilizaram Fernando
Henrique Cardoso. No segundo governo Lula, foram tomadas medidas
significativas. Ainda que insuficiente, o Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania significou algo. Mas Dilma decepciona porque até os
avanços foram desorganizados. É retrocesso sem avanço.
O Sr. fala em seu artigo sobre a
necessidade de reformar o artigo 144 da Constituição. Que pontos teriam de ser
mexidos?
O artigo 144 atribui pouca
responsabilidade à União com relação à segurança pública. A União tem sob sua
responsabilidade somente duas polícias, a Rodoviária e a Federal. Elas são
importantes, mas longe de cobrir todo o espectro de desafios que a sociedade
enfrenta.
E qual o papel do município?
Ele praticamente não existe, o que
contradiz o processo histórico brasileiro recente. Depois da Constituição de
1988, municípios passaram a ter envolvimento crescente em áreas como saúde e
educação. O artigo 144 diz que municípios só podem formar guardas municipais,
cuja missão é cuidar das estátuas e prédios municipais. Mas as guardas
municipais estão se proliferando pelo país, como no caso de São Paulo, onde há
quase 10 mil guardas.
Isso não é inconstitucional?
É polêmico. Qualquer cidadão pode
prender qualquer outro cidadão que esteja cometendo um crime, desde que isso
seja feito em flagrante. Pode-se argumentar que os guardas municipais só
prendem em flagrante, e que quando o fazem agem como cidadãos. Mas é claro que
na prática muitos estão armados, usam distintivos e atuam como policiais.
De que modo a redistribuição das
forças policiais e a intensificação do papel da União poderiam melhorar a
segurança?
Para dar um exemplo, a União deveria
supervisionar a educação e formação dos policiais. Hoje estes pontos são
decididos de modo autônomo pelas instituições de cada Estado. Temos situações
como a dos policiais contratados para as UPPs, no Rio, que estão sendo
capacitados em três meses.
Três meses mesmo para quem nunca foi
policial?
Sim. É inacreditável. Nas polícias
temos um quadro babélico. Um Estado pode formar um policial em um ano. Outro,
em dois meses. Já aconteceu no Rio de policiais serem formados em um mês. E não
é só o tempo. Não há nenhuma padronização de currículo. Não defendo a imposição
de um currículo único, mas um ciclo básico nacional seria razoável.
As UPPs estão prestes a completar
cinco anos. Que balanço seria possível fazer delas?
É um projeto muito importante, mas
não representa política pública porque não se universaliza. Isso não será
alcançado sem reformas. Com as polícias do Rio será impossível. Apesar de terem
milhares de profissionais honestos, as polícias do Rio têm outros milhares
envolvidos em crimes. Não há um só crime importante no Rio sem a participação
da polícia.
E qual a sua avaliação do quadro da
segurança de São Paulo, que vive a retomada do crescimento dos homicídios?
Para agradar setores da opinião
pública que pedem políticas duras e para evitar constrangimentos com as forças
policiais, os governos acabaram tolerando a brutalidade policial. Como os
números caíram, não por conta da brutalidade, os governos acabaram tolerando a
violência. A valorização da Rota pelo secretário anterior endossava certa
postura na qual a corrupção não é tolerada, mas a brutalidade sim.
A resolução que estabelece que PMs
não podem prestar socorro às vítimas é uma mudança importante?
Sim. O novo secretário de São Paulo,
que não conheço, me pareceu muito bem intencionado. Esta medida busca
claramente conter as chacinas.
Por CASSIANO ELEK MACHADO/FOLHA DE SÃO PAULO
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